top of page
Image by Annie Spratt
dzi_edited.jpg

Foto: claudio tovar, dzi croquettes

Ficamos sem entender nada. Meio envergonhados, os dois se levantaram para vir falar com a gente afastados da mesa.

 

“Pois é, meu irmão, os viados convidaram a gente para ir lá e falaram que vão pagar um jantar para nós quatro.”

​

Já eram dez da noite. Cansado da praia e da viagem, doido para dormir, falei: “Já comemos um hambúrguer, tamos na boa.” Cocei a cabeça e disse: “Aê, não dá para a gente dormir no quarto de empregada e deixar a chave com o porteiro amanhã de manhã?”

​

O Fernando respondeu: “Meu amigo, não me leve a mal, mas a gente mal conhece vocês, eu tô na responsabilidade do apartamento do meu tio. Não dá para deixar vocês lá sozinhos.”

​

“Porra, mas a gente não está numa de comer veado.” O Pedro era menos diplomata que eu.

​

O Luiz já tinha entendido o problema. “Já falei com eles. Vocês não precisam fazer nada, só precisam ir no restaurante e serem bem-educados. No apartamento deles, vocês fazem uma salinha, vão dormir na sala de estar e a gente faz o resto. Pode ficar tranquilo, é só isso.”

​

O Fernando emendou: “Mesmo que vocês já tenham comido uns hamburguers, eles vão levar a gente para um restaurante de moqueca bonzão. Cês vão gostar.”

​

Me segurando para não fazer uma piada com comida, não acreditando que a gente estivesse naquela situação, me lembrei. “E amanhã? A gente vai ter que pegar as nossas coisas para pegar a estrada.”

​

Claramente menos entusiasmado com a coisa toda, Fernando olhou para o Luiz também esperando uma resposta.

​

O Luiz respondeu: “Deixa comigo, vou convencer eles a passar em casa antes da gente ir para o restaurante.” Ele deu um sorriso maroto e emendou. “Ainda por cima, vou conseguir que te levem para a estrada amanhã, quer ver?”

​

Apesar de não gostar daquilo, naquela altura do campeonato não tinha muita escolha. A barriga também estava interessada em experimentar a famosa moqueca capixaba. Saímos do passeio, nos apertamos dentro do carro das “amigas”. O Luiz explicou o problema e fomos todos ao apartamento para pegar nossas tralhas. Quando viram o violão, “uma” virou para “outra” e disse.

​

“Nossa, que meninos talentosos, olha esse violão!”

​

“Ai, eu adoro cantar! Vocês vão fazer uma serenata pra gente?”

​

Respondi com um sorriso amarelo: “De repente… se rolar um clima.”

​

Esperando uma festa quentíssima mais tarde, a dupla gay levou todo mundo para o tal restaurante de moqueca. Bebemos vinho e a comida estava deliciosa, tudo por conta deles e em troca fomos educados e rimos das suas piadas. A "loura" era de fato muito engraçada.

​

“Tudo o que eu queria ser era o Papa, aquela bicha poderosa! Eu ia me vestir toda de seda e ficar sentada naquele trono podre de chique mandando as bichas pobres limparem meus quadros.”

​

Após a sobremesa, o aperitivo e a conta, fomos todos ao ninho de amor. A “loura” morava num apartamento de dois quartos com varanda, mas sem vista. “Ela” era pintora e espírita, por isso as paredes eram cheias de quadros da cara de um Jesus Cristo em cores gritantes e rodeado de pétalas.

​

“Essa é a entidade que me vem em sonhos para me proteger. Aposto que vocês não acreditam nessas coisas.”

​

A “morena”, que era mais recatada, mas que ria de tudo que a “loura” dizia, falou com orgulho. “Ela é muito talentosa, pintou todos estes quadros, não são lindos?”

​

O Luiz concordou: “Nossa, são lindos!”

​

A “loura” respondeu: “Obrigada, lindo, mas essa neguinha está sendo falsa, só gosta de quadros como aquele ali.” e apontou para uma foto artística em preto e branco de um cara bem-dotado numa pose erótica. Daí ela se virou para mim.

​

“E você? Não vai tocar pra gente? Eu adoro bolero e música antiga. Aliás pode me chamar de Maysa.”

​

O Pedro e eu não aguentamos e caímos na gargalhada, me recompus e respondi: “Sabe o que é? A viola está desafinada.”

​

“Então afina, menino!”

​

Todo mundo, até o Pedro me pressionou.

​

“Beleza então.” Tirei a viola, que já estava afinada. “E então, Maysa, conhece essa? A noite do meu bem?”

​

A “Maysa” só faltou me agarrar. Ela até que cantava bem. Toquei essa e mais duas e depois guardei o violão.

​

“Muito bem carioca! A gente adorou!” O Luiz estava a ponto de soltar a franga também.

​

Dava para ver que ele ia ficar com a “Maysa” e o Fernando com a “morena”. O papo foi ficando tenso e depois de uma sessão de insinuações e evasivas, chegou a hora do vamos ver. Conforme combinado, cada um dos mergulhadores foi para um quarto com suas respectivas. Enquanto isso, a gente foi para a sala de estar para tentar dormir um pouco. As luzes se apagaram, os casais fecharam suas portas e nós ficamos na sala, deitados em camas improvisadas e rindo feito dois idiotas.

​

“O Luiz deve estar perguntando para o barbudinho; você pinta como eu pinto?”

​

“Barbudinho! Hahahaha! ”

​

“Cara, ri mais baixo senão os caras não vão conseguir se concentrar.” Estava inspirado para falar besteira. “Tu reparou que o moreno é a cara do Little Richard. Brincadeira! O Fernando vai mandar ele abaixar para amarrar os sapatos e ficar só no wop bop a loo bop a lop ba!”

​

“Hahahahaha!”

​

Cerca de uma hora depois, uma das portas se abriu e fingimos estar dormindo. Era o Fernando saindo do apartamento dizendo: “Desculpa, mas não estava inspirado essa noite.”

​

Quase me levantei para perguntar se a gente podia ir junto, mas não deu tempo.

​

Depois que a porta fechou, o apartamento ficou em silêncio, mas a porta do quarto permaneceu aberta e a luz acesa. Dava para sentir a energia inquieta do moreno. Alguns minutos depois ouvimos passos vindo em nossa direção. Com meus olhos fechados, comecei a pensar comigo mesmo: “Xiii, vai dar merda!”

​

Aí ouvi o Pedro dizer: “Meu irmão, tira a mão daí, porra!!!”

​

Alguns segundos depois, o mesmo aconteceu comigo e dispensei o cara e a sua mão boba. Depois disso, o moreno baixinho bateu a porta do apartamento dizendo “Seus brochas mal-agradecidos, vocês deveriam estar dormindo na rua!”

​

No dia seguinte, o outro casal nos acordou num astral muito melhor. A “Maysa” estava felicíssima vestindo um robe de seda lilás, já bastante maquiada e agarrada no pescoço do Luiz.

 

“Bom dia, meninos”. Daí olhou com carinho para a cara do Luiz, ainda meio sem graça com a gente. “Esse bruto roubou minha virgindade ontem à noite, vocês acreditam?”

​

Nos sentamos para conversar em volta da mesa e descobrimos que a "morena" insatisfeita era o vizinho de cima. Ele era o dono do carro que possivelmente nos levaria até a BR. Ficamos conversando, esperando que descesse para o café. Quando chegou, estava mal-humorada e, por vingança, disse:

​

“Olha, o carro está sem gasolina e tenho um monte de coisas para fazer hoje de manhã, não vai dar para ir até a estrada.”

​

A “Maysa” estava do nosso lado.

​

“Deixa de ser amarga, neguinha, hoje é um dia novo e você vai achar um lindinho tão gostoso como esse para você. E não seja mentirosa! Enchi o tanque do teu carro ontem e o salão está fechado hoje.”

​

O outro tentou protestar, mas a nossa ”amiga” emendou: “Somos duas moças de família e vamos fazer o que prometemos para esses cariocas, depois vamos dar uma volta com esse bofe.”

​

Tomamos café juntos e não demorou muito para o moreno melhorar de humor. De barriga cheia, fomos os cinco até um posto de gasolina fora da cidade. Ainda meio atordoados por conta daquela primeira noite maluca, agradecemos e nos despedimos.

bottom of page