


Foto: Geraldo Lazzari
Sem contar as frustrações no departamento amoroso - se é que podia ser chamado disso - o pré-Carnaval do Recife foi demais. No Rio, a classe média fugia da folia para descansar, mas ali todos faziam questão de participar. A cidade inteira ficava de cabeça para baixo. Resquício das origens do carnaval brasileiro, à noite, havia a tradição do mela-mela. Blocos improvisados cruzavam pelas ruas abarrotadas de foliões que melavam uns aos outros, conhecidos ou não, com uma mistura caseira de água, açúcar e farinha. Nossos anfitriões fizeram questão de fazer alguns sacos da coisa. De qualquer forma, era previsível que dois caras de fora seriam mais alvos do que atiradores e não deu outra. Inteirados na bagunça, revidávamos como podíamos, mas no fim das festas, voltávamos para casa parecendo dois pães franceses crus, porém felizes da vida.
Nos fins de semana, durante o dia, as pessoas passeavam em carros sem portas e em caminhões alugados jogando baldes de água nos passantes. Nas calçadas, preparadas para revidar, as vítimas aguardavam os ataques armadas de jatos d´água de madeira de um metro e pouco de comprimento. Quando os carros passavam, era uma guerra que acontecia em meio a gritos e gargalhadas. A tia do Davi nos avisou para tomar cuidado com coisas maldosas que podiam colocar na água, mas nunca saímos cheirando a nada esquisito.
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A folia ia além daquelas reminiscências dos antigos entrudos. O primeiro carnaval popular de verdade daquele verão foi na parte velha da cidade, junto ao porto, no Marco Zero. A praça era vasta e antiga, mas área ao redor era um lugar de ruas estreitas e mal-cuidadas. Como num conto de Garcia Márquez, parecia pano de fundo de um velho filme em preto e branco passado no Oriente Médio, com prédios coloniais europeus e povoada por caribenhos.
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O ritmo do carnaval do Recife, o frevo, era bem diferente do samba carioca. Para nós parecia uma batida militar com um quê de africano. Nos bailes e nas ruas, ele era executado por orquestras de metais tocando arranjos rápidos e complexos acompanhada por uma sessão rítmica considerável. A dança tradicional era uma ginástica difícil e enérgica que envolvia agachar-se e pular segurando um guarda-chuvas colorido. Porém, a multidão na praça estava bêbada demais para tais acrobacias. Quando a música pegava fogo, a sensação era parecida com a de se estar em um show de punk-rock, onde ninguém sabia ao certo se estava brigando ou se divertindo. Tínhamos que ficar dando cotoveladas acima da cabeça para não sermos atingidos em meio ao frenesi.
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Numa certa altura, os organizadores pararam a música e ergueram uma garrafa de whisky nacional. “Boa noite, povo do Recife! Esta noite maravilhosa está sendo patrocinada pelo uísque Drury’s, o melhor do Brasil. Palmas para ele!"
A multidão foi ao delírio e quando acalmou a voz continuou. "Esta aqui é uma garrafa dele. Ela vai para o folião mais animado desta praça!!! Quem está animado aí?”
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A praça foi à loucura de novo. “Então vamos ver! Valendo a garrafa!”
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A banda voltou a tocar e a turba caiu ensandecida no frevo.
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Duas semanas mais tarde, o Carnaval começou oficialmente. Nós tínhamos duas opções: a primeira delas era ir para Olinda, a cidade histórica ao lado do Recife. Nela, as autoridades interditavam carros pelos quatro dias de folia. Inúmeros blocos desfilavam pelas ruas da cidade, havia também sempre no mínimo quatro ou cinco orquestras de frevo tocando em diferentes lugares ao mesmo tempo.
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A outra escolha era ir aos bailes de Carnaval em Recife. Nos primeiros três dias fomos com a primeira opção: o Carnaval de rua de Olinda. Só que apesar da animação, nada de sucesso com garotas. No último dia, para tentar reverter as coisas, partimos para a segunda alternativa. Foi assim que acabamos no Carnaval do Sport Clube do Recife, sede do famoso clube de futebol.
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A entrada estava apinhada. O ingresso era barato e havia muitos torcedores do povão misturados com gente elegante, sócia do clube. Assim que conseguimos entrar, fomos direto ao salão onde havia uma grande orquestra de frevo tocando no palco. O Carnaval estava lotado. Havia um monte de mulheres de bikini em cima das mesas sendo retratadas por fotógrafos de revistas masculinas, a música estava pegando fogo e o clima estava incrível. Os foliões pulavam onde podiam tanto na pista quanto em torno dela. Volta e meia a banda tocava o hino popular do clube e o refrão levantava todo mundo.
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“Este ano nosso time vai ser mesmo campeão,
Todo mundo vai cantar e dizer, ninguém segura o Sport não!”
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Depois de semanas de frustração, agora inspirados pela animação e por muita cerveja, finalmente o sucesso nos sorriu. A maneira de se pegar as garotas, quase todas de saias curtas e vestindo a camiseta do clube, era sair as agarrando pela cintura. Não precisava falar nada, o próximo passo era pular um pouco ao redor da pista e depois arrastá-las para um canto do lado de fora e lá, tentar chegar o mais longe possível.
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Depois de fazer isso com várias, peguei uma morena. Como as outras, a levei para o escuro ao lado da barraca de cerveja. Apesar da névoa etílica, reparei que ela era bem nova, com certeza menor de idade. Não importava, muito pelo contrário, ela era maravilhosa; cabelo macio, carnuda, cara de levada e deliciosa de se pegar. Quase não deu para ouvir o nome dela por causa da música alta, mas entendi que se chamava Gê. Com ela, o amasso foi mais intenso do que com as anteriores. O jeito que ela me deixava pegar no seu corpo e a maneira com que se esfregava na minha “barra de balas drops” me diziam que, pela primeira vez na vida, havia a possibilidade de levar a coisa para o próximo nível.
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A certa altura ela gritou no meu ouvido: “Ah, estou ficando louca!”
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Embriagado agora pela sexualidade dela, sem motivo para ter vergonha na cara respondi: “Você já me deixou louco faz tempo, está sentindo isso? Ele está doido para te conhecer.”
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“Aff, seu maluco, deixa eu sentir. Hmmmm...," ela apertou, deu uma olhada marota e disse: “Assim eu não aguento, vamo sair daqui! Vem comigo!”
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A gente se afastou do Carnaval. Depois de passar por umas casinhas dentro do clube chegamos num portão semiaberto e entramos na área da piscina. Depois de mais amassos, descemos uma escadinha e fomos parar na sauna que estava vazia e com a luz desligada.
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“Num se preocupe, carioca, sou sócia do clube. Ninguém vem aqui à noite.” Estava tudo escuro, mas dava para ver seu rosto aceso me olhando na contraluz.
Ela se sentou em um dos degraus, e sussurrou. “Venha cá, meu lindo.” Apesar de mais nova, Gê parecia ter mais experiência na coisa. “Não tiraste a camisa ainda?! Tire agora!”
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Enquanto colocava a camisa no chão, ela foi se esfregando e entendi que era para eu também tirar a camisa dela. Em silêncio, acabamos nus. Depois da delícia da pele contra pele, ela se recostou de joelhos num dos degraus. “Eu gosto assim. Vem.”
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Foi a melhor coisa que já tinha experimentado na vida.
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O ônibus saía às onze da manhã do dia seguinte, Quarta-Feira de Cinzas. A gente tinha amanhecido na beira da piscina e tínhamos tomado café numa padaria. Meio aéreos por causa daquela paixão inesperada, passamos para pegar minhas coisas. Ela ficou me esperando embaixo enquanto me despedia de meus anfitriões. Querendo que ficasse, mas sem pedir, Gê acabou vindo até a porta do ônibus para os últimos amassos na frente de todo mundo
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Embarquei sozinho, o Davi ia ficar mais uns dias com uns amigos do Rio que tinham vindo passar o Carnaval no Recife.
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Por coincidência, alguns dos membros da orquestra que tinha tocado no Carnaval do Sport Club Recife pegaram o mesmo ônibus. Não eram os frevistas, mas os músicos que tocavam marchinhas de carnaval enquanto a banda principal descansava. Todos eram ligados à escola de samba Unidos de Vila Isabel e, embevecidos pela festa e pelo dinheiro que tinham ganho no Recife. O carnaval continuou pela viagem inteira: 43 horas com muita bebida e batucada no ônibus até voltarmos ao Rio.
Cheguei em casa exaurido pela viagem e pela canseira ainda não assimilada que a Gê tinha me dado. Tomei café e depois de um banho interminável, mergulhei na cama de onde só saí vinte e quatro horas depois. Tudo seria diferente depois daquela injeção na veia de frevo, suor, Recife e Gê. Meu tempo de aprendizado teórico sobre o Brasil tinha acabado. Agora só queria saber das aulas práticas. Volta e meia pensava na minha recifense, mas apesar de a gente ter trocado telefones, nunca mais tivemos contato.
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