top of page
Image by Annie Spratt

CAPÍTULO 12

EA.jpg

Foto: Site da Escola Americana do Rio de Janeiro (EARJ)

“... aí eu vou misturar Miami com Copacabana,

Chiclete eu misturo com banana

E o meu samba vai ficar assim...”

 

Jackson do Pandeiro – Chiclete com Banana

O sonho de estudar cinema no exterior sobreviveu o fiasco na Escola Britânica. Ele continuou na única alternativa que sobrou no Rio de Janeiro; a Escola Americana ou a EA (pronunciada i-ei por todos que a conheciam), uma escola bem mais sólida para adolescentes.

​

Ciente como nunca de que estávamos, mas não éramos, ricos, para Rafael havia o problema financeiro. Não era só o preço das anuidades. O currículo era inteiramente voltado ao sistema americano e por isso ao me formar, teria que fazer faculdade nos Estados Unidos. Por todas as universidades de lá serem privadas e caras, isso custaria uma fortuna. Ao contrário, se passasse os O-levels e fosse estudar no Reino Unido, a empreitada sairia muito mais em conta, já que muitas das suas melhores universidades eram públicas e por isso gratuitas, além de serem melhores do que a maioria das Americanas. Embora não expressasse suas preocupações, ele continuava levando fé na minha capacidade e acreditava que uma escola boa faria com que eu tomasse jeito. 

​

O início foi desconcertante. O colégio possuía tudo o que se poderia esperar de uma High School americana: garotas e garotos ruivos e loiros falando inglês anasalado, um campo de baseball, uma equipe de futebol americano, muitos surfistas e muitos skatistas de primeira além da competição social inerente àquele tipo de instituição. A favela da Rocinha - a maior do mundo - cobrindo o morro logo em frente, era um lembrete constante de que aquela propriedade enorme abrigando prédios futurísticos era o foco de um vírus estrangeiro.

​

Descobri logo que as aulas eram ridiculamente fáceis. Também gostei do lado pedagógico da EA que era tão avançado quanto sua arquitetura. Não havia uniforme, construíamos nosso próprio currículo e estudávamos com diferentes alunos em diferentes salas de aula. Havia uma área de fumantes para os estudantes. Vários professores, todos muito americanos e muito profissionais, tinham cabelos compridos, algo que nao se via em nenhuma outra escola no Rio. 

​

Numa cidade influenciada pela cultura estadunidense, em matéria de curtição, a escola era como o Olimpo da juventude da Zona Sul carioca. Quem havia introduzido o surfe, os biquínis e a maconha à classe média da cidade tinha estudado ou estava estudando ali. Meus colegas de turma eram filhos dos estrangeiros poderosos enviados para assegurar que a filial seguisse de perto as diretrizes da matriz na construção do “Novo Brasil”. Essa mentalidade colonialista era palpável na maioria dos estudantes e eu tinha que tomar cuidado para não absorver o sentimento generalizado de superioridade em relação aos brasileiros.

​

A maior parte dos colegas era longe de ser santa e estava vivendo os melhores dias de suas vidas. Longe de sua terra, com os pais ganhando mais do que estariam em casa, com tudo mais barato e com a liberdade de poder viver sem respeitar os códigos locais, a rapaziada fazia todas as coisas erradas que outros da mesma idade sonhavam em fazer, com a vantagem de poder contar com a IBM, a Merck ou a Esso para intervir quando as aventuras terminavam mal. Esse tipo de impunidade era normalmente reservado apenas ao mais alto escalão local. 

​

A elite da escola se conhecia das festas, dos clubes e das organizações nas quais seus pais participavam. Era fácil excluir quem não fazia parte da roda. Com o status de brasileiro, não-surfista, não-sarado e filho de um judeu idoso dono de um pequeno negócio, me barraram na hora. Os que faziam parte daquela turma tinham um imaculado pedigree americano ou europeu, irradiavam autoconfiança, eram atléticos e arrasavam em qualquer atividade física, menos no futebol. É claro que as meninas só davam bola para eles.

​

Aquela galera levava um estilo de vida difícil de se imaginar. Para começar, a maioria tinha barcos a sua espera na marina do Iate Clube do Rio de Janeiro. Muitos moravam em casas espaçosas, uma raridade mesmo naquele tempo. Os que moravam em apartamentos, viviam nos melhores endereços da cidade como nas avenidas beira-mar de Ipanema e do Leblon; a Vieira Souto e a Delfim Moreira. Sempre que era convidado para suas festas ou para passar um tempo com algum deles, pensava comigo mesmo: “Então são essas as pessoas que moram aqui!”. Eles tinham acesso a coisas que pareciam ficção científica: videogames (algo que quase ninguém tinha na época), pranchas de surf e skates importados, discos de todas as bandas imagináveis e os melhores equipamentos de som disponíveis no mundo. Seus fins de semana, quando não passados velejando, eram passados em casas de veraneio que pareciam saídas de revistas especializadas e isso nas melhores localidades do Estado do Rio. Lá, é claro, se utilizavam de todos os seus brinquedos.

​

Como se isso não bastasse, suas mesadas em dólar eram muito maiores do que o que eu recebia em um ano inteiro, que, por sua vez, era bem mais do que um salário mínimo. Meu pai tinha ganho bastante dinheiro extra com sua jogada na bolsa, mas comparados a essas famílias éramos pobres.

​

Os poucos amigos que fiz se encontravam numa situação parecida. No entanto trouxeram uma novidade: fumavam maconha. Depois que ficaram sabendo que tocava violão e dos meus gostos musicais, não demorou muito para que me convidassem a descobrir qual era o motivo para tanto rebuliço em torno dela. 

​

Minhas primeiras tentativas foram decepcionantes. “Cara, cadê? Esse bagulho não era bom pra caralho? Já é o segundo e nada!”

​

“Calma, Rique, não bateu porque você está nervoso. Vou colocar um Pink Floyd para relaxar, Dark Side of The Moon.”

​

“Tenho em casa, sei até tocar Time no violão.” Paranóico de que minha tirada de onda tivesse caído mal, mudei de assunto. “Será que não bateu porque tossi demais?”

​

Aquilo foi a chave de ouro para a minha pagação de mico e todos caíram na gargalhada.

​

Rod, um cara que não ia com a minha cara, parou de rir. “Não falei que esse cara era muito louco?! Não bateu porque ele tossiu demais!!” E as gargalhadas voltaram.

​

Na terceira ou quarta sessão, tomando mais cuidado para não falar bobagem, fiquei na minha e de repente a ficha caiu que estava muito chapado. 

​

“Caralho! Esse som tá muito bom!!”. Os outros olharam para mim esperando que falasse besteira. Me levantei, olhei em volta me sentindo diferente e emendei. “Porra!!! Eu tô doidaço!!”. Dessa vez todos riram comigo.

​

A experiência não foi como esperava, não havia unicórnios galopando pelo ar nem coisas tomando cores psicodélicas. A única mudança foi que a gente continuou rindo sem parar e sem motivo nenhum, enquanto Fred, o dono da casa, colocava discos de bandas de rock obscuras na vitrola. Sem dúvida, a onda, onipresente, dava uma dimensão diferente às coisas. Talvez por estar aprendendo violão, o efeito deixava nítido as distintas camadas da música. Eu parecia compreender o que se passava na cabeça dos músicos quando estavam criando aquilo e quando gravaram.  

​

Enquanto a turma ficou ali inventando mentiras sobre experiências com ácido, heroína e maconhas mais potentes, falei que tinha que ir ao banheiro. Sai do quarto enfumaçado e fui curtir a novidade dando uma volta pelo apartamento. Os pais do Fred tinham viajado e a casa estava vazia. Entrei na sala de estar enorme e fiquei vagando no escuro, viajando nas pinturas na parede, as esculturas e as plantas decorativas. Tudo tinha adquirido uma beleza mágica que passaria desapercebida em meu estado normal. 

​

Quando voltei, já estavam fumando outro.

​

“E aí, Rique?”

​

“Cara, esse negócio é muito bom! Me passa essa porra aí!” e todo mundo caiu de novo na gargalhada.

​

Depois daquela noite entrei numa sintonia nova, tanto na escola quanto na praia, quanto no clube e em casa: agora pertencia a uma sociedade secreta. Coisas e pessoas que nunca tinha entendido passaram a fazer todo sentido. Participar dessa realidade paralela era como a conquista de uma nova identidade. Na minha cabeça, meus pares de outras rodas, o Maurício, o Jaime e o Léo estavam morrendo de vontade de fazer o mesmo, mas não tinham coragem. 

​

O lado negativo foi que passei a levar uma vida dupla. Não disse nada nem para os meus outros amigos nem muito menos para os meus pais. Os dois Riques não se misturavam, para um grupo continuei sendo o mesmo de sempre, só que com sumiços longos e momentos estranhos, para o outro era um iniciante estabanado. Logo descobriria que a maconha era um repelente contra as garotas, mas e daí? Nunca iria conseguir nada com as belezas da Escola Americana mesmo...

​

bottom of page